O Centro de Visitantes do Parque Nacional do Itatiaia (RJ) ficou cheio no último sábado (8). Não de turistas, mas de integrantes do conselho consultivo e convidados. Era a primeira reunião desde que o pleito da Associação Amigos do Itatiaia (AAI) de transformar 1.300 hectares do parque, ocupados por hotéis e casas de veraneio, em monumento natural foi rejeitado em junho pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio). O novo planejamento, que incluiu a revisão das estratégias de gestão para a parte baixa e de procedimentos de fiscalização, foi colocado em discussão como se o Parque do Itatiaia estivesse agora bem mais próximo de ver velhos problemas resolvidos. Não é bem assim. Todo mundo já está acostumado à morosidade dos processos fundiários. Por isso, ao buscar ser o mais realista possível, o Instituto Chico Mendes estimou que a desocupação e indenização dos ocupantes levem por volta de 50 anos.
A tentativa de minimizar os impactos para os donos das casas em Itatiaia foi consensual entre ONGs e governo, mas não agradou os moradores. Entre as possibilidades de solução do caso estão o pagamento imediato de indenização, a cessão de usufruto vitalício das terras particulares por idosos pleiteantes e a amortização do valor de hotéis até a completa aquisição pelo Estado. Já há destinados para o novo planejamento 9,6 milhões de reais oriundos de compensações ambientais de Furnas e Votorantim, dos quais 94% serão usados nas desapropriações. Outras parcerias, com empresas como Xerox, devem ser assinadas em breve, avisa a coordenadora dos trabalhos, a analista ambiental Lourdes Ferreira. Para Walter Behr, chefe do parque, o dinheiro ainda não é suficiente, mas torna possível o início dos trabalhos.
Ainda como parte do documento, estão previstas três novas bases de atendimento aos visitantes, opções de ecoturismo, criação de acampamento e chalés a baixo custo e abertura de bares e restaurantes. As estruturais físicas já existentes serão reformadas. É o caso do antigo Hotel Simon, que dará lugar a uma faculdade para capacitar gestores de unidades de conservação em todo o país. A idéia foi criticada pelo secretário municipal de meio ambiente de Itatiaia, Domingos Braumgratz, que se diz cansado de ouvir do governo que os moradores do parque faziam especulação imobiliária em Itatiaia. “O novo planejamento propõe o mesmo, só que com privatizações”, disse em referência à ideia de abrir espaço para comércio e outros serviços no interior do parque.
“Também não está claro qual o impacto de um sistema de canoagem, por exemplo, no rio Campo Belo, responsável por abastecer 80% dos habitantes de Itatiaia”, completou Braumgratz. Rômulo Mello, presidente do ICMBio, não deixou o secretário sem resposta. “O que há de diferente nisso em relação à proposta de manter as terras particulares que já existem hoje? Só o interesse de cada um em continuar ali, não é?”, retrucou.
“Queremos a integridade”
Questionado sobre a falta de participação popular no processo de confecção da monitoria (resultado dos estudos do Grupo de Trabalho do ICMBio),
Mello foi enfático. “A consulta está acontecendo aqui, agora. O documento ainda está em aberto, pode e deve receber mudanças, caso elas sejam necessárias. Mas o governo apenas foi claro em sua posição: queremos a integridade do parque”, disse. O presidente também esclareceu que novos seminários deverão ser agendados para mais trocas de sugestões.
A promessa do presidente do ICMBio, porém, não ajudou a convencer a AAI sobre os benefícios do projeto. Leila Heizer, presidente da associação, se mostrou frustrada pela forma com a qual o processo foi conduzido, lembrou que os moradores adoram o parque e sustentou que eles sempre ajudaram na preservação da natureza. Além disso, ela teme que a unidade fique muito mais urbana e impactada com as mudanças.
“Apresentamos a proposta no ano passado incentivados pela então ministra do meio ambiente Marina Silva. Neste meio tempo, só tivemos a oportunidade de apresentá-la a técnicos do órgão uma única vez, e, mesmo assim, sem qualquer discussão do mérito. O que nos deixa mais tristes é que não vemos na monitoria um cunho ambiental. Espero que este processo não seja um exemplo para outros parques nacionais”, reclamou.
Para Mário Mantovani, diretor da SOS Mata Atlântica, o resultado da monitoria é uma vitória. “Quem tem uma postura como a que vimos hoje (sábado) é inimigo da vida. Não pensa além do seu negócio e nem no interesse social. Estamos vendo um salve-se quem puder”, respondeu.
Embora a reunião tenha sido exclusiva para a Parte Baixa, as zonas mais altas do parque também tiveram espaço. De acordo com Walter Behr, uma empresa foi contratada para a recuperação de trilhas na região e, dentro de algumas semanas, chega um novo funcionário para ajudar no processo de recuperação. O servidor será o primeiro a morar na Parte Alta, é montanhista e possui boas técnicas de prevenção de incêndios florestais.
Outras novidades para os cerca de 30 mil hectares do parque devem sair com a revisão do Plano de Manejo, que ainda aguarda o repasse de recursos já acertados com a Câmara de Compensação Ambiental do Rio de Janeiro. Os estudos de viabilidade para a ampliação do parque, por sua vez, estão na fase final com verbas do Programa Demonstrativo da Mata Atlântica (PDA). O próximo passo são as consultas públicas, ainda sem data marcada. “É um novo paradigma. Agora temos totais condições para estruturar o futuro de Itatiaia”, afirma Behr.
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