Além de espalhadas pelas florestas, as mais de mil espécies conhecidas de aves amazônicas estão reunidas em um prédio do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus. Ali, num dos poucos fragmentos de mata que restaram na cidade, é onde a equipe de Mário Cohn-Haft guarda o enorme acervo de gravações do canto dos pássaros da Amazônia. Este ano, uma parte da cantoria virou CD. E a intenção é que toda a coleção tenha o mesmo destino.
O primeiro volume do projeto Vozes da Amazônia Brasileira digitalizou o assobio de 340 espécies que sobrevoam as florestas de terra firme ao norte de Manaus. Curador da coleção de aves do Inpa, Cohn-Haft aliou-se a outros cinco ornitólogos para lançar a caixa com quatro CDs. O trabalho, no entanto, começou há cerca de 30 anos, quando as árvores da região mal conheciam a motosserra. (Texto segue abaixo do slideshow)
“A gente gravava por gravar, para conhecer os cantos das aves. E não se tinha a preocupação de ir para uma reserva, porque tudo era mata”, conta ele. As aves selecionadas para a primeira edição são as que ocorrem ao norte da capital do Amazonas. Justamente uma das regiões que sofrem maior pressão da expansão urbana.
“Por ali fica a Reserva Florestal Adolpho Ducke, do Inpa. Até pouco tempo atrás, a área fazia parte de uma floresta contínua. Agora, aquilo está sendo envolvido pela cidade e já está se tornando um fragmento florestal”, observa. O ponto é um dos últimos refúgios dos pássaros florestais que ocorrem na região. “Em Manaus, na área urbana, quase não tem floresta. E você só vai encontrar essas espécies nesses fragmentos”, explica.
Na boca do povo
Na primeira leva do Vozes da Amazônia, mil encartes foram para as ruas. O sucesso foi grande, e não são apenas pesquisadores os interessados na coletânea. “Muita gente está procurando os CDs pelo prazer de ouvir os cantos. Se a pessoa quer identificar qual o passarinho, a informação está ali. Mas se não quiser, é só fechar os olhos e botar no rádio do carro na hora do rush”, brinca Cohn-Haft. “Estão usando até na academia, nas aulas que eu faço de alongamento”.
O ornitólogo explica que toda a renda arrecadada com as vendas será usada para a continuação do projeto e outras pesquisas neste campo. Um site está sendo montado para dar uma palinha do conteúdo e atualizar os interessados sobre o que vem por aí. Segundo ele, a equipe já está se mobilizando para os dois próximos volumes da série. A questão agora é decidir qual coletânea vem primeiro.
“Estamos entre duas opções. Uma de aves da várzea amazônica, que são áreas de floresta alagável por rios de água barrenta. E outra de aves dos igapós (floresta alagável por rios de água preta) e campinaras, que são ambientes abertos, campos naturais no meio da Amazônia”, antecipa. “Essas áreas têm uma avifauna própria que só ocorre ali. São muitas espécies interessantes, mas desconhecidas pela maioria das pessoas”.
Um dos objetivos do projeto é levar ao público leigo esse tipo de informação básica, mas que costuma ficar restrito aos círculos científicos. “Nossa vontade é despertar a apreciação e popularizar o conhecimento”, diz, acreditando que os CDs podem contribuir para isso. “Não precisa ser doutor para conhecer canto de pássaro. A gente quer que o povo saiba essas coisas”.
Veja mais:
Beija-flor e plantas: um caso de amor
Equipe de universidade na Bahia escreve artigo sobre os beija-flores da Chapada Diamantina e suas interações com as plantas da região. A conclusão é simples: um não vive sem o outro.
Uma serra que não é só das araras
Levantamento inédito registra 348 espécies de aves na Estação Ecológica Serra das Araras (MT), um canto montanhoso de Cerrado especial, localizado bem na borda do Pantanal.
Pássaro cearense, padrinho de ouro
Leia também
Entrando no Clima#41 – COP29: O jogo só acaba quando termina
A 29ª Conferência do Clima chegou ao seu último dia, sem vislumbres de que ela vai, de fato, acabar. →
Supremo garante a proteção de manguezais no país todo
Decisão do STF proíbe criação de camarão em manguezais, ecossistemas de rica biodiversidade, berçários de variadas espécies e que estocam grandes quantidades de carbono →
A Floresta vista da favela
Turismo de base comunitária nas favelas do Guararapes e Cerro-Corá, no Rio de Janeiro, mostra a relação direta dos moradores com a Floresta da Tijuca →