A MMX Mineração e Metálicos S.A., do grupo EBX, encarna hoje na região do Pantanal o melhor e o pior papel que uma empresa pode exercer quando o assunto é preservação do meio ambiente. De positivo, se tornou a principal parceira e financiadora da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) do pólo minero-industrial de Corumbá. Um projeto de quase um milhão de reais que será executado pela COPPE/UFRJ e que estudará a capacidade ambiental da região de suportar, ou não, de forma sustentável, a instalação e expansão de diversas empresas ligadas ao setor de mineração e gás, entre outros que constituirão o pólo. A previsão é que esse estudo fique pronto no fim do ano. O medo dos ambientalistas é que uma nova Cubatão surja em pleno Pantanal. Empresas do porte da Vale do Rio Doce e Rio Tinto Brasil, instaladas no local, retiraram o apoio à avaliação na última hora. Já a MMX manteve o compromisso e aceitou arcar com grande parte dos custos do estudo.
Por outro lado, a mineradora do empresário Eike Batista tem sido acusada de usar de influência política para acelerar a sua instalação no pólo e atropelar o processo de licenciamento ambiental. No ano passado, conseguiu licenças em tempo recorde. A última foi uma “licença de ampliação” para poder produzir, além do ferro-gusa, aço e laminação em sua siderúrgica em Corumbá. Esse pedido entrou no Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (IMASUL) no dia 27 de dezembro ao meio-dia e foi encaminhado imediatamente para o departamento jurídico. Quarenta e oito horas depois, no dia 29, o então secretário estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul, José Elias Moreira, assinou a licença – sua última canetada antes de deixar o governo que chegava ao fim.
Meses antes, a própria licença de instalação da siderúrgica foi obtida numa velocidade incomum.Quando Eike Batista foi expulso em abril passado da Bolívia, acusado de tentar montar um empreendimento desrespeitando as leis ambientais do país vizinho, ele estava há quatro meses aguardando concessão de licença prévia do governo do Mato Grosso do Sul para instalar uma siderúrgica num terreno de 250 hectares, doado à EBX pelo governo do estado, em Corumbá. A licença prévia saiu em 18 de julho e em 16 de agosto foi concedida a de instalação. “Foi um espanto, pois esperava-se que ela [a MMX] levasse de seis meses a um ano para cumprir todas as condições exigidas”, diz Nereu Fontes, superintendente do IBAMA em Mato Grosso do Sul.
Mais tarde, o jornal Folha de S. Paulo noticiou que no dia 15 de agosto – véspera da concessão da licença de instalação – Eike Batista doou R$ 400 mil ao candidato vitorioso ao governo do estado, André Puccinelli (PMDB), e outros R$ 400 mil ao senador Delcídio do Amaral (PT), candidato derrotado. Nas palavras do próprio empresário, a doação foi feita “para impedir que licenças ambientais para seus empreendimentos sejam recusadas por razões políticas”.
Com a licença em mãos, em setembro a siderúrgica da MMX começou a ser construída no distrito de Antonio Maria Coelho, a 40 quilômetros de Corumbá. O objetivo é concluir a obra até junho, ainda que a doação do terreno pelo governo estadual esteja sendo contestada como ilegal porque foi feita sem licitação ou autorização legislativa. Guaraci Hércules de Lima é dono de um sítio no distrito bem próximo ao empreendimento e vai quase que diariamente ao local. Na estrada, cruza com freqüência com caminhões levando carvão para o terreno da MMX. “Muitos caminhões estavam vindo da Bolívia”, conta. “Fui até lá checar e é carvão legalizado, comprado de pequenos vendedores. Mas nos últimos dias também tenho cruzado na estrada com caminhões vindo do lado oposto, ou seja, com carvão que deve estar vindo do Mato Grosso do Sul, mesmo.” Fotos aéreas tiradas por ele mostram o carvão sendo estocado sob lonas azuis. “Achei estranho eles estocarem carvão se não têm nem a licença de operação ainda”, conclui Guaraci.
Eike tem pressa: quer produzir 37 milhões de toneladas de minério de ferro até 2011 e tornar-se o dono da quarta maior mineradora do mundo. A MMX firmou um Termo de Compromisso de Conduta com o Ministério Público Estadual de Corumbá em que se compromete a não comprar carvão oriundo do Pantanal. Mas até agora não revelou de onde exatamente ele virá, alegando segredo comercial. No estudo e relatório de impacto ambiental do empreendimento ( EIA-RIMA) lê-se que a empresa tem um cadastro de fazendas que vendem carvão em diversos municípios do estado, incluindo Anastácio, que fica dentro do Pantanal. Mas vários especialistas, entre eles Sandro Menezes, biólogo e coordenador do Projeto Pantanal da ONG Conservação Internacional, garantem que não há base florestal legalmente instalada no Mato Grosso do Sul suficiente para abastecer a MMX com carvão e muito menos o pólo inteiro, que pode chegar a ter 14 siderúrgicas.
O estrago ambiental
O possível desmatamento estimulado pelo pólo de Corumbá é uma das maiores preocupações de quem lida com a conservação do Pantanal. Segundo a ONG Conservação Internacional, 17% da cobertura vegetal original desse bioma já foram destruídos. A MMX pretende consumir 225 mil toneladas/ano de carvão vegetal no primeiro ano (25 caminhões tipo gaiola por dia) oriundos do próprio estado e 30% importados da Bolívia e do Paraguai. Segundo o IBAMA existem cinco mil carvoarias ilegais no Mato Grosso do Sul – cinco foram fechadas recentemente no Pantanal. Se não houver uma forte vigilância dos órgãos ambientais, a vegetação nativa vai virar cinza.
A poluição do ar também causa apreensão. Os ventos que sopram predominantemente na direção de Corumbá e da Bolívia carregarão todo o material particulado que as siderúrgicas expelirem – poeira rica em carvão e outras substâncias tóxicas. Segundo Sonia Hess, doutora em Engenharia Química da UFMS de Campo Grande, esse tipo de poluição afeta a saúde da população. “Esses particulados estão relacionados à hipertensão e a acidentes vasculares, problemas respiratórios e cardíacos”.
Um parecer técnico da Embrapa Pantanal também alerta que, no caso de acidentes e vazamento de resíduos, o risco de contaminar os mananciais com substâncias extremamente tóxicas, como fenóis e metais pesados, é enorme. Na área existem algumas nascentes, piscinas naturais (que originaram balneários frequentados pela população local) e o córrego Piraputangas. Dependendo de certas condições, pode-se formar nesse riacho o gás cianídrico, altamente letal a seres humanos e peixes. Como ele deságua na baía do Jacadigo, que se conecta ao rio Paraguai, haveria uma contaminação em cadeia. Não se pode esquecer que a mineradora Urucum (da Vale do Rio Doce) já secou o córrego Urucum, contaminando-o com resíduos de ferro. Se a MMX começar a operar antes da conclusão do estudo da COPPE, não haverá tempo para a conclusão de estudos aprofundados sobre o impacto ambiental da atividade na região. E se vários empreendimentos isolados forem sendo licenciados sem se saber quantos serão, quanta energia e água usarão e se a região comporta tantas siderúrgicas, a degradação ambiental sairá do controle.
Falhas no estudo ambiental da MMX
O Procurador Federal de Corumbá, Rui Maurício Rucinski, solicitou um laudo técnico sobre o EIA-RIMA da MMX à 4a. Câmara do Ministério Público Federal em Brasília, especializada em meio ambiente. Ele observou que no EIA-RIMA não foi averiguado se o empreendimento provocaria desmatamento e poluição do ar e de águas fronteiriças na Bolívia e no Paraguai. “Segundo o artigo 4o da Resolução 237 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), se houver impactos diretos em outros países, o Ibama jamais poderia ter delegado o licenciamento do pólo à Secretaria Estadual do Meio Ambiente”, disse. Pouco depois do carnaval, Rucinski recebeu de Brasília a análise solicitada confirmando que havia erros graves no EIA/RIMA e a possibilidade de impacto nos países vizinhos. Decidiu então entrar com uma ação no dia 6 de março na 1a. Vara Federal de Corumbá para suspender a obra. Uma liminar pode ser concedida a qualquer momento.
O EIA/RIMA do empreendimento também foi contestado por especialistas dos principais centros de pesquisa do Pantanal. Um parecer técnico independente assinado pelos professores doutores da UFMS Geraldo Damasceno (biologia vegetal), Iria Hiromi Ishii (ecologia e recursos naturais), Moacir Lacerda (geofísica espacial), Sonia Hess (engenharia química) e Vanda Ferreira (zoologia) em abril de 2006 avisava dos riscos ambientais e mostrava que oestudo de impacto ambiental da MMX continha erros grosseiros. Ele descrevia paisagens de Nhecolândia (uma área afastada de Maria Coelho), detalhava uma vegetação diversa da nativa, listava espécies de aves e de mamíferos que não são encontrados ali e até classificavam um grande lagarto aquático típico da região como pertencente à família das cobras corais.
A média anual da temperatura usada no EIA/RIMA era de 26,5o C, quando o valor correto em Corumbá é 36,2o Celsius. Mais: as tabelas de precipitação de chuvas apresentadas referiam-se à cidade de Campo Grande, não havia análise da atmosfera considerando as épocas de queimadas, e os estudos das classes de estabilidade atmosféricas foram realizados com base em dados medidos no aeroporto de Corumbá. “A região de Maria Coelho tem outro microclima, com regimes de chuva, vento e térmicos distintos, e que sequer foram avaliados”, disse o professor-doutor em Geofísica Espacial da UFMS de Corumbá Moacir Lacerda. “Não há dados suficientes nesse estudo, que devia ser invalidado”, completa.
Outro parecer técnico, feito por pesquisadores da Embrapa Pantanal a pedido do Ministério Público, solicitava mais informações e reavaliações, já que era citado no EIA-RIMA que a água necessária para o funcionamento da siderúrgica seria de 2.000 m3/hora, enquanto o município de Corumbá usa apenas 1.440 m3/hora. Portanto, a demanda prevista pela MMX seria maior que a de uma cidade de 100 mil habitantes. Segundo os pesquisadores, não foram realizados estudos determinando a capacidade hídrica subterrânea da área, capaz de garantir o fornecimento requerido em época de chuva e de seca.
Cenário futuro
A MMX é hoje a mais nova companhia de grande porte a se instalar na região do pólo de Corumbá, onde se encontram há décadas a mineradora Urucum, da Vale do Rio Doce, e a Mineração Corumbaense Reunida, da Rio Tinto Brasil – ambas com denúncias de degradação ambiental no currículo. E gigantes como Belgo-Mineira, Usiminas e CSN também desejam compartilhar do novo pólo minero-industrial do Brasil. Como gostava de dizer o ex-governador do estado, Zeca do PT, o surgimento do pólo é “irreversível” e o objetivo dos ambientalistas agora é garantir que ele seja implementado com um mínimo de planejamento ambiental e o efetivo respeito à legislação. Em agosto do ano passado, uma Plataforma de Dialógo foi montada entre a sociedade civil organizada e empresários interessados no pólo para se chegar a um acordo para alcançar esta meta. Definiu-se que o primeiro passo seria o estudo a ser realizado pela COPPE/UFRJ, considerada idônea por ambas as partes.
“O governo se contenta com o cumprimento mínimo da lei, mas nossa luta é para que as empresas façam bem acima do mínimo legal, pois se apenas for seguida a lei poderá ser feito um verdadeiro desastre em Corumbá, que será sentido tarde demais para ter conserto”, diz Miguel Milano, da Fundação Avina e na prática o articulador dessa inédita Plataforma. E se o estudo da COPPE concluir que é uma loucura fazer um pólo siderúrgico em Corumbá? “Aí a decisão terá de ser política”, conclui Milano.
* Alice Sampaio é freelancer no Mato Grosso do Sul.
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