Não há um economista ou empresário que tenha saído do Palácio do Planalto na manhã desta segunda-feira com a certeza de que o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) será a salvação para o baixo PIB ou para o alto desemprego. Todos querem ver como será a implementação das ações. Mas por trás de toda essa incerteza, é possível vislumbrar no PAC um sinal importante: o pacote de medidas incorpora de vez a visão de que a Amazônia é um depósito de recursos naturais a serviço do crescimento do país. A região Norte, na estratégia de desenvolvimento de Lula, entra com grandes hidrelétricas e vias de escoamento de exportação.
Dos 503 bilhões de reais previstos para investimentos em infra-estrutura, 50 bilhões de reais foram reservados para a região Norte. Do total também se garantiu 180 bilhões para “projetos nacionais”, o que drenará muito dinheiro a grandes obras na Amazônia. Boa parte desta verba, espera-se, virá de estatais como a Petrobras e a Eletrobrás, além do setor privado. Pouco mais de 10% sairão do orçamento da União.
No sistema de transportes, os investimentos na Amazônia serão de 6,2 bilhões, e só ficaram atrás dos planos para o Nordeste. O destaque nesta área continua ser a pavimentação da BR-163, citada pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, como importante saída para a exportação da produção agrícola do norte do Mato Grosso. Mas a novidade trazida pelo PAC em termos de logística de transporte para a Amazônia foi o anúncio da construção de vários terminais hidroviários ao longo do rio Amazonas.
De acordo com Dilma, as três rodovias mais importantes que cortam a floresta, BR 230 (Transamazônica), BR-163 (Cuiabá –Santarém) e BR 319 (Porto Velho-Manaus) vão se conectar a portos fluviais para escoar a produção. A viabilidade econômica de tais medidas não foi discutida a fundo e nem quem será o investidor deste sistema multimodal onde não há grandes quantidades de carga. Os projetos dos terminais, seus Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) também não são conhecidos.
Mas o que Dilma Rousseff garantiu aos presentes na solenidade desta segunda-feira foi que todos os projetos de infra-estrutura têm viabilidade econômica comprovada e EIA-RIMAS prontos. Estão prontos, é verdade, mas não aprovados. Assim mesmo, o governo não se intimidou de incluir as polêmicas usinas de Belo Monte, no Pará, Santo Antônio e Jirau, em Rondônia, no plano. O PAC pretende garantir a entrada 25 mil megawatts (MW) na geração energética do país até 2010. A metade disso virá das grandes usinas planejadas em rios amazônicos. Assim como no setor de transportes, a região Norte aparece entre as mais contempladas com recursos no segmento energético. Ela receberá 32 bilhões de reais dos 274 bilhões de reais previstos para este fim em todo país, perdendo apenas para o Sudeste, que receberá 81 bilhões de reais.
Licença não é problema
Boa parte dos recursos previstos para a geração de energia entraram na categoria “projetos nacionais”. É exatamente aí que surgem as grandes usinas hidrelétricas na Amazônia, que ligadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN) supostamente ajudariam a desafogar o país de mais um racionamento. Neste caso, ficou claro pela apresentação da ministra da Casa Civil, que as usinas Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, mesmo sem licença ambiental, são dadas como certas.
Isso porque, muitos projetos de geração previstos no Centro-Oeste vão se conectar a uma linha de transmissão que partirá do Madeira e chegará a Araraquara, no oeste de São Paulo. O linhão nem EIA-RIMA possuí, mas para o governo, 20 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) no Mato Grosso entrarão no SIN através dele. Não custa lembrar que o neo-aliado de Lula, o governador Blairo, tem uma empresa de geração de energia especializada em PCHs.
Ao que tudo indica, a turma de Dilma Rousseff concordou com a de Marina Silva: o licenciamento realmente não é obstáculo. Tanto que a única medida anunciada de melhoria da gestão ambiental no país foi o envio do Projeto de Lei que regulamenta o artigo 23 da Constituição Federal. O impacto descrito pelo PAC de tal medida é dar “maior eficiência na atuação do poder público com vistas à proteção do meio ambiente, reduzindo os questionamentos judiciais sobre as competências de cada ente federativo e contribuindo para a realização de novos investimentos”.
Em outras palavras, vai definir que tipo de empreendimentos vão licenciar a União, estados e municípios. Mas como ninguém ainda viu o texto do projeto de lei, não dá para saber se será bom ou ruim. Para o advogado e articulista de O Eco, Paulo Bessa, a medida só terá impacto se descentralizar a gestão ambiental. Além disso, nada mais fala o PAC sobre melhorar a política de meio ambiente: não se falou de contratar mais fiscais, nem mais técnicos, nem de aplicar mais recursos ao uso sustentável de recursos naturais, algo tão caro ao Ministério do Meio Ambiente. Nem mesmo a convocação de 300 concursados do Ibama, já prometida nas primeiras reuniões do ano, entrou no pacotão de Lula.
O ambientalista Roberto Smeraldi, do Amigos da Terra, argumenta que o PAC não gera desenvolvimento sustentável. Prova disso é o recém-criado fundo de investimentos em infra-estrutura, que subsídia recursos para os aportes e dá isenção de impostos. “Não há uma escolha sobre que tipo de empresas e setores devem ser beneficiados, que princípios devem respeitar. Se perdeu uma grande oportunidade de se gerar realmente desenvolvimento”, diz Smeraldi, que completa dizendo que os tradicionais projetos de infra-estrutura na Amazônia não têm “racionalidade econômica” nenhuma. Isso para não dizer que há muita irracionalidade ambiental.
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