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Emboscada

Ibama confirma que foi encontrado com vida analista ambiental desaparecido desde terça-feira após ataque de traficantes de tartaruga contra equipe do instituto num rio em Roraima

Carolina Elia ·
15 de novembro de 2006 · 18 anos atrás

Traficantes de tartarugas atacaram uma equipe do Ibama na região do Baixo Rio Branco, em Roraima, na terça-feira. O incidente aconteceu no fim da tarde, quando dois analistas ambientais e três colaboradores do instituto voltavam para o hotel em Caracaraí depois de passar o dia a marcar covas de tartarugas nas praias próximas aos tabuleiros de Santa Fé e Aricurá. Desde o dia 6 de novembro eles estavam na área realizando manejo de quelônios – o que inclui jabutis,tartarugas e cágados.

Segundo testemunhas, quatro traficantes aguardavam o grupo em uma das curvas do rio Água Boa do Univini e assim que avistaram a equipe abriram fogo contra o barco. José Santos Cruz, um morador local contratado pelo instituto como colaborador para ajudar no trabalho de monitoramento das tartarugas, foi baleado e morreu na hora. O analista ambiental Raimundo Pereira Cruz, coordenador do Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios (Ran) em Boa Vista, foi ferido e desapareceu depois de pular na água por ordem dos traficantes. Na quarta-feira, o Ibama de Boa Vista chegou a informar à imprensa que ele havia sido localizado, mas o resgate só se confirmou no começo da tarde de quinta-feira. Ele foi encontrado pelo Grupamento de Ações Táticas da Polícia Militar do estado.

O auxiliar administrativo e chefe da regional do Ibama em Caracaraí, José Silva Araújo, que pilotava o barco no momento da emboscada, foi atingido na orelha, mas passa bem. Josué Melo Silva e Adaías Tenório Correia , ambos contratados temporariamente para auxiliar na operação de manejo, também sobreviveram ao ataque. Todos foram obrigados a se jogar na água pelos traficantes, que fugiram na voadeira onde estava o corpo de José Cruz. Tanto a embarcação quanto o corpo ainda não foram localizados.

Dois colaboradores que tinham permanecido num acampamento próximo, ouviram os tiros e pegaram a canoa que tinham disponível para socorrer os colegas e pedir ajuda. O Ibama em Boa Vista só soube da emboscada às 8h da quarta-feira.

“Foi uma prática covarde. A equipe tinha ido ao local desarmada, sem o intuito de fiscalizar, apenas para fazer o manejo dos quelônios”, disse Nilva Baraúna, superintendente do Ibama em Roraima. Na última sexta-feira, o Ibama apreendeu no porto de Caracaraí – o segundo maior município do estado – 10 tartarugas depois de receber uma denúncia. Nilva acredita que a emboscada pode ter sido uma vingança.

Prática antiga

Em setembro, começou o período de reprodução das tartarugas na Amazônia. Nesta época, equipes do Ibama, fortalecidas por colaboradores que conhecem bem a região e o comportamento dos bichos, visitam as praias para marcar as covas e acompanhar o nascimento dos filhotes. Paralelamente são realizadas operações de fiscalização em parceria com o estado contra o comércio ilegal de tartarugas. Os traficantes aproveitam a temporada da desova para capturar os bichos e os ovos. Segundo Nilva, eles escondem as tartarugas em valas cavadas no meio da floresta para depois ensacá-las e vendê-las em Manaus.

Segundo o coordenador de operações de fiscalização do Ibama em Brasília, Aristides Salgado Neto, os tartarugueiros não chegam a formar uma quadrilha bem articulada. São, na maioria dos casos, pessoas da região que lucram até 500 reais vendendo uma tartaruga grande em Manaus. Ele lembra que existem muitas famílias com a tradição de comer tartaruga no Natal.

Para Neto, o conflito entre fiscalização e tartarugueiros era certo. Há dez anos, na mesma região em que foram alvejados os fiscais do Ibama, os traficantes queimaram a base do instituto que protegia as praias de reprodução dos quelônios. Desde então, eles continuam atuando. Servidor antigo do Ibama de Boa Vista, Antonio Cattaneo conta que em 1997 um funcionário foi baleado numa emboscada quando fazia trabalhos de proteção às tartarugas na região. Segundo ele, os traficantes chegam fortemente armados em barcos provenientes de Manaus e procuram justamente a área dos tabuleiros de Santa Fé e Aricurá, a cerca de 150 quilômetros da cidade de Caracaraí, para roubar tartarugas e caçar clandestinamente lontras e ariranhas para retirada de peles.

Dener Giovanini, coordenador geral da ONG Renctas, diz que qualquer atividade que envolva animais cobiçados para tráfico, como os quelônios do baixo Rio Branco, deve ser considerada perigosa. “Tem havido uma conexão cada vez maior entre traficantes de drogas e pedras preciosas com os de animais silvestres, por isso se tratam de quadrilhas com dinheiro e muito bem organizadas”, diz. Segundo ele, os traficantes perceberam que podiam ganhar facilmente com a exportação clandestina de animais, cuja pena beira o ridículo. “O máximo que pode acontecer a quem for pego é prisão por pouco tempo e, quando muito, a perda da mercadoria e o pagamento de cestas básicas”, denuncia.

A Renctas é a maior referência no combate ao tráfico de animais silvestres no país e tem recebido denúncias crescentes sobre a intensificação do tráfico de biodiversidade em Roraima, escoado através da estrada que liga Boa Vista a Caracas, na Venezuela. Outro “pólo” de exploração ilegal de tartarugas são as praias do Xingu em Altamira, Pará.

Integrantes da Polícia Federal em Roraima foram até o local para investigar o caso. Segundo o agente José Giovanni Negreiros, chefe da comunicação social da PF, suspeita-se que os traficantes tenham descido o rio em direção ao estado do Amazonas. Até agora, a sede do Ibama em Brasília não decidiu se enviará reforços a Roraima. A demora para decidir tem uma razão bastante direta: falta dinheiro para deslocar uma equipe até lá.

* Colaboraram Andreia Fanzeres, Aline Ribeiro e Vandré Fonseca.

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