No início dos anos 90, debaixo de críticas de ambientalistas por conta de financiamentos no valor 400 milhões de dólares feitos na década anterior ao PóloNoroeste, um programa de expansão da agropecuária e infra-estrutura visto como catalisador do desmatamento em Rondônia e Mato Grosso naquela época, o Banco Mundial resolveu criar uma espécie de compensação para limpar a sua imagem. Ela veio na forma do PlanaFloro, um investimento de 167 milhões de dólares que tinha entre suas metas promover a conservação da biodiversidade na região mediante a criação de Unidades de Conservação. Em 2003, um relatório interno do próprio Banco admitia que o PlanaFloro tinha se transformado num razoável desastre.
A extensão deste fracasso do programa em Rondônia está medida em um estudo recente do Instituto do Meio Ambiente e do Homem na Amazônia (Imazon), feito pelos pesquisadores Beatriz Ribeiro e Adalberto Veríssimo. Baseado em imagens do satélite Landsat usadas para calcular o desmatamento na Amazônia no biênio 2003-2004, o trabalho mostra que a derrubada em massa de árvores em Rondônia não respeitou nem as suas Áreas Protegidas. Elas já perderam 6,3% de sua cobertura florestal. Em quatro delas, todas sob responsabilidade direta do governo estadual, o desmatamento ultrapassou mais de 50% de suas áreas demarcadas. Levando-se em conta que pela legislação que as criou o desmatamento dentro delas deveria ser zero, o que anda acontecendo em Rondônia é um escândalo. Lastimavelmente apenas o pior caso de um problema que se estende pelo resto da Amazônia.
Pelo que contam as imagens de satélite examinadas por Veríssimo e Ribeiro, ao longo do tempo, o desmate em áreas de proteção do estado só fez crescer. Na Floresta Estadual de Rendimento Sustentado do Rio São Domingos por exemplo, que ocupa o 3º lugar no ranking das dez mais desmatadas no estado com 62% de desflorestamento, a taxa de corte para o biênio 2001-2002 foi de 5,5%. No biênio seguinte, ela foi para 5,9%, um incremento de mais de 22% no período. Entre as dez áreas de proteção mais desmatadas, a liderança pertence à uma unidade proteção integral, o Parque Estadual de Candeias. Só lhe restam 32% de sua cobertura original.
A outra unidade de proteção integral na lista, o Parque Estadual da Serra dos Parecis, ocupa o sexto lugar e registra perda de 46% de suas florestas. Justiça seja feita, não foram só as áreas protegidas do governo estadual que sofreram a ação dos predadores. Embora a taxas menores, unidades de conservação federal também foram alvo do desmatamento. Numa delas, a Floresta Nacional do Bom Futuro, foi-se quase a metade de todo o mato que um dia fazia parte de seu território. Apesar de não estar na lista das 10 áreas mais desmatadas, ela está entre as unidades mais ameaçadas pela pressão humana em Rondônia.
A lista compilada pelo Imazon tem duas peculiaridades. Todas as áreas protegidas no topo do ranking do desmatamento estão sob jurisdição estadual. Destas, oito são unidades de uso sustentável. “Isso indica que elas não estão sendo exploradas de acordo com as regras que regem o uso deste tipo de unidade”, diz Ribeiro. Isso sugere, segundo ela, que essas áreas ou estão sem plano de manejo definido ou que, se ele existe, não está sendo seguido. “Também mostra que a fiscalização é no mínimo deficiente”, insiste. Ribeiro diz ainda que o desmatamento foi feito para a retirada de madeira ou para assentamentos de sem-terra. Alguns foram frutos de invasão. Outros, de política oficial.
O relatório feito pelo Banco Mundial em 2003 sobre o PlanaFloro aponta que em Rondônia, durante a vigência do programa, assentamentos deveriam levar em conta os planos de macrozoneamento que definem o uso do solo no estado. Mas o Incra foi o primeiro a desrespeitar a regra, assentando gente onde não devia. A análise do Banco mostra que ele, desde o começo, financiou o PlanaFloro com um pé atrás. Duvidava do comprometimento do governo federal na época com a questão ambiental e sentia, nas suas conversas com representantes de Mato Grosso e Rondônia, que o interesse dos estados estava mais na obtenção do dinheiro para cumprir as metas de investimento em infra-estrutura do que na conservação da biodiversidade. É inacreditável que, apesar das desconfianças, tenha decidido levar a coisa adiante.
Em 1996, o Banco Mundial fez uma avaliação do PlanaFloro e propôs a reestruturação do programa. Mas o efeito das mudanças, pelo que mostra a análise do Imazon, não deu em nada. Ribeiro conta que as imagens de satélite analisadas mostram que várias unidade de conservação no estado estão cortadas por estradas clandestinas, um sinal claro de que elas são alvo de ações de desmatadores. O próprio estudo alerta que a situação inclusive pode ser pior. As imagens de satélite utilizadas, as mesmas que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) emprega para contabilizar a taxa anual de desmatamento na Amazônia, não enxergam derrubadas em áreas abaixo de 6,25 hectares. A pesquisadora faz questão de apontar que, apesar da situação em Rondônia, a criação de Unidades de Conservação ainda é um dos instrumentos mais eficazes da proteção da biodiversidade na floresta amazônica.
A repórter Andreia Fanzeres tentou saber do governo de Rondônia, que dá destaque ao PlanaFloro na sua página da Internet, as razões pelas quais as áreas de proteção no estado não estão cumprindo sua função. Chegou às raias do desespero atrás dessa informação, tentando falar com mais de 20 números de telefone diferentes. Ninguém atendeu. Nem a Imprensa Oficial, ou Ibama estadual, a assessoria do governador Ivo Cassol, muito menos a própria secretaria estadual de Desenvolvimento Ambiental, responsável pelas Unidades de Conservação. O máximo que conseguiu foi um papo rápido com um vigilante da secretaria municipal de Meio Ambiente de Porto Velho, que informou: “Aqui o expediente é das 8h às 14h”.
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