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O longo regresso da ararinha-azul ao Brasil

Chegada de fêmeas da Alemanha é passo importante para aumentar a população das aves e criar condições para a reintrodução na natureza.

Vandré Fonseca ·
28 de fevereiro de 2013 · 11 anos atrás
Intenção é aumentar a população em condições de reprodução e dentro de quatro anos reintroduzir o primeiro indivíduo na natureza. Crédito: SAVE Brasil.

Manaus, AM – Duas ararinhas-azuis (Cyanopsitta spixii) chegaram ao Brasil na quarta-feira (26 de fevereiro), passo importante de um ousado empreendimento, fazer um animal extinto na natureza voar novamente em liberdade. O plano é que as duas fêmeas oriundas da Alemanha dêem origem a uma nova população nascida em cativeiro no Brasil, destinada a repovoar a caatinga, no interior da Bahia, onde viviam os remanescentes da espécie até o finalzinho do século passado.

“É um projeto muito difícil. É um bicho extinto na natureza, mas se der certo vai ser um caso emblemático”, afirma o biólogo Pedro Develey, diretor de Conservação da organização não-governamental SAVE Brasil. A SAVE Brasil, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) são responsáveis pelo projeto Ararinha na Natureza, apoiado pela Vale, que pretende devolver a espécie para a natureza.

Atualmente existem 80 ararinhas-azuis vivas, todas em cativeiro. Cinco delas estão no Brasil, as outras na Espanha, Catar e Alemanha, de onde vieram estas duas. Elas nasceram em 2011, na Association for the Conservation of Threatened Parrots (Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados, em português), filhas de aves que de uma forma não explicada foram parar longe do Brasil.

As duas terão a oportunidade de escolher entre quatro machos que vivem em um criadouro no interior de São Paulo. O objetivo é formar casais e se reproduzirem, e ter muitos filhotes, se for possível. O quinto indivíduo que ainda vive no Brasil já está com idade avançada e sem condições de se reproduzir, segundo Develey.

Atualmente, oitenta indivíduos da espécie vivem em cativeiros, no Brasil, Espanha, Alemanha e Qatar. Crédito: SAVE Brasil

Mas se nada rolar entre eles, a esperança vai continuar viva. Outras fêmeas virão. A coordenadora do Plano de Ação Nacional de Conservação da Ararinha-azul do ICMBio (PAN), Camile Lugarini, anunciou que em abril deste ano, o ICMBio e parceiros farão a repatriação de um novo grupo de ararinhas-azuis. Desta vez, as aves virão do Loro Parque, em Tenerife, na Espanha. O PAN foi instituído no ano passado e tem como objetivo aumentar a população manejada em cativeiro e recuperar o habitat de ocorrência histórica da espécie. Espera-se que em quatro anos metade das aves da espécie em condições de se reproduzir esteja no Brasil.

O ideal é ter um grupo grande, como explica Develey, e deixar as fêmeas escolherem o macho que elas quiserem. “Mas nesse caso, elas não tem muita escolha”, lamenta. “É preciso ter sorte, torcida e acreditar”, completa o biólogo. Com poucas opções, aumenta o risco de incompatibilidades genéticas ou de linhagem ou até mesmo de fêmeas e machos não se bicarem.

Para não jogar o futuro da espécie nas costas da fé, pesquisadores precisam dar uma de cupido. Técnicos alemães que vieram com os preciosos animais podem ajudar os brasileiro na reprodução em cativeiro. Claro que a ciência também pode colaborar, com informações genéticas, comportamentais e de linhagens que contribuam para colocar lado a lado machos e fêmeas compatíveis. E se nada der certo, o pessoal lá da Al Wabra Wildlife Preservation, no Qatar, já consegue fazer a inseminação artificial das ararinhas-azuis.

E aí começa outro desafio: ensinar bichos nascidos e criados em cativeiro a viverem na natureza, sem ter como referência outros da mesma espécie. Difícil e perigoso, uma aventura que o animal pode pagar com a própria vida. “Bicho de cativeiro não sabe se defender de predadores, não sabe mais encontrar comida, não tem autonomia de vôo”, diz Develey.

“É preciso um número de indivíduos suficiente para garantir, ter a certeza de que a perda no campo tem no cativeiro para repor”, diz o biólogo. Por isso, os bichos são selecionados, só os mais espertos são escolhidos e depois treinados. Se ainda existissem outras ararinhas-azuis vivas na caatinga, os pássaros libertos poderiam imitá-los e assim aprender como a espécie se vira longe das gaiolas. Mas esta é mais uma dificuldade que o plano terá de enfrentar. E a solução pode ser o uso de um modelo mais comum nos céus da caatinga, os maracanãs.

Agora se tenta o caminho inverso ao da extinção. Animais são trazidos ao Brasil, para dar origem a novas gerações até que um dia as ararinhas-azuis possam voltar a voar em liberdade. Pelo menos, a ararinha ainda vai encontrar um lar, a caatinga, que apesar de todas as ameaças ainda apode ser repovoada. “Alguma coisa tem de ser feita. O fator que fez a espécie desaparecer não foi a perda de habitat, mas foi a captura. Então a gente ainda tem esta chance”, diz Develey.

 

 

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